domingo, 10 de outubro de 2010

Camomila.


Olhos grandes, pele enrugada pelo passar dos anos e sorriso carinhoso. Era assim que todas as “meninas”, como ela as tratava, a viam.
Havia muito tempo que ninguém a ia visitar, ela já não sabia o seu nome, nem tão pouco quem era. Ria-se todos os dias com a mesma piada, lia sempre o mesmo livro. Aquele livro que o médico lhe recomendou ler.
  Todos os dias, depois de acordar a primeira coisa que lhe passava pela memória, a sua curta memória, era sentar-se no jardim daquele imenso edifício, a comer a sua torrada e a tomar o seu chá de Camomila. Os pássaros pousavam a seus pés com esperanças que alguma migalha lhes saciasse a fome.
   A menina Mary, era a enfermeira que ela mais gostava, trazia-lhe todas as manhãs aquela mão cheia de bolinhas multicores, que ela tinha que engolir com o auxílio de um copo de água. Sempre lhe perguntou para que serviam, e Mary com a mesma simpatia de sempre explicava-lhe.
Um dia não perguntou, secalhar esqueceu-se, assim como se esqueceu do nome e de quem era.
   Devagarinho, levantou-se da mesa do jardim e dirigiu-se á porta do edifício onde residia faz 10 anos.
Só ela é que tinha envelhecido, aquela maravilhosa estrutura amarela estava exactamente como quando ela a viu pela primeira vez.
    Passando pelos corredores fitava os olhares das outras pessoas, que assim como ela viviam ali.
  Dirigiu-se para o quarto.
   Ao entrar deparou-se com um ser que de todo não pertencia ali.
 Um senhor, cabisbaixo, cabelo grisalho e uns maravilhosos olhos azuis. Bastante bem parecido até, para quem tem 80 anos.
Nervoso, perguntou-lhe se ela sabia qual o quarto dele. Ela, ainda estupefacta com aqueles olhos, acenou que não.
Voltando-lhe as costas, tentou gritar por uma enfermeira. A sua voz já rouca não o permitia.
   Sentou-se ao lado daquele homem, olhando-o discretamente, sentiu que o conhecia, ou então era consequência de tantos comprimidos tomados.
Mary, entrou no quarto e disse: “ Sr. Pedro, este não é o seu quarto, vamos, vou levá-lo de volta”
  Ninguém falou, Mary, enroscou o seu braço ao braço de Pedro e retirou-o daquele quarto.
  Naquela noite não havia comprimido que a fizesse dormir, aqueles olhos azuis não lhe saiam da mente. Ela própria tinha medo de que se fechasse os seu próprios olhos iria esquecer aquele homem.
Por fim adormeceu.
Pela primeira vez em muito tempo teve um sonho, do qual apenas lhe restou duas palavras: “Pedro” e “Inês”.
No dia seguinte, já não riu da mesma piada, nem leu o mesmo livro, limitou-se a estar metida consigo própria. Tentando decifrar as origens daquelas duas palavras.
  Ao fundo da sala, algo lhe chamou a atenção, mas os seus olhos não a deixavam ver além de 2 metros.  Aquele vulto começou a aproximar-se, a tornar-se cada vez mais nítido.
   Pedro, trouxera-lhe a torrada e o chá de Camomila já meio entornado no tabuleiro.
Convidou-o a sentar-se. Conversaram toda a tarde, sobre ela, sobre ele e sobre tudo, ou pelo menos o que se lembravam…
  Quando o sol se pôs, tanto ela como ele não queriam ir dormir, então depois da casa fica em silêncio, apenas envolvida por aquela nuvem de sonhos que vinha de todos os quarto, escaparam dos quartos como dois adolescentes, que de novos não tinham nada.
Ela com aquela camisa de dormir rendada que lhe foi oferecida por uma das enfermeiras no Natal. Ele com  seu pijama de cetim azul. Ambos descalços, sentiam a relva fria e húmida na sola dos pés. Até doía.
  Não disseram uma única palavra, ela tentou colocar-se em bicos dos pés, mas os seu ossos cansados já não o permitiam, então ele puxou-a lentamente contra ele e  beijou-lhe a face. Aquela fresca e enrugada face.
E este foi o beijo. O beijo que fez com que a memoria voltasse, o beijo que os fez voltar de novo ao baile onde se viram pela primeira vez, e onde dançaram bem juntinhos, durante toda a noite.
Agora ela sabe o porquê daquela cara lhe ser tão familiar(…)

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